A notícia de que o Brasil tem cerca de 29% da população formada por analfabetos funcionais, não chega a ser uma surpresa, mas veio acompanhada de dados ainda mais preocupantes. A situação a que se refere a pesquisa Pesquisa Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional) mostra que o percentual de analfabetismo cresceu entre jovens com idade entre 15 e 29 anos, que têm dificuldade de ler, escrever frases curtas e realizar tarefas simples de matemática. Já são 15 anos sem um avanço positivo. Para piorar, antes mesmo de aprender a interpretar texto, a juventude está imersa e atuante no universo digital, fazendo uso de ferramentas que estimulam a propagação de mais desinformação.

O quadro é grave: uma pessoa a cada três de nós não consegue interpretar uma frase simples num país que, comprovadamente, se baseia, majoritariamente, em informações publicadas em redes sociais que não contam sequer com uma regulação consistente que impeça a propagação de notícias falsas. Não se trata de não compreender dados em profundidade, estamos falando simplesmente de diferenciar conteúdo satírico de uma notícia verdadeira.
Pesquisa realizada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou que o Brasil é o país que mais cai em fake news em comparação com outros 21 países. “Temos” a mesma dificuldade de identificar o que é verdade num conteúdo sobre um cachorro preparando um churrasco como no que diz respeito a uma vacina que pode salvar vidas. É um problema nacional.
A Educação no Brasil sofre um processo complexo de precarização que começa com investimentos insuficientes no campo das políticas públicas, apesar dos avanços significativos na área. Além de professores desvalorizados, que atuam com baixos salários e enfrentam sobrecargas de trabalho em escolas sem estrutura física adequada e com índices relevantes de violência, especialmente na Educação Básica, temos estudantes desestimulados que não veem na escola um lugar acolhedor, nem reconhecem nos conteúdos didáticos uma garantia para o seu crescimento pessoal e profissional. E não é, nem pode ser. O êxito no processo educacional pressupõe uma série de elementos que não se resume às atividades em sala de aula, apesar disso, compreender o que se apresenta nela certamente é um o imprescindível.
Reverter o descrédito que se aplica ao sistema educacional, principalmente entre adolescentes e jovens, se torna uma tarefa ainda mais difícil quando acompanhamos o avanço da popularidade de atividades que se apresentam nas redes sociais como uma fórmula fácil para a ascensão sem a tal “perda de tempo” nas cadeiras escolares. Sem formação, sem qualificação, sem conhecimento, os ditos influencers multiplicam desinformação ao oferecer assuntos, muitas vezes, irrelevantes, mas que conseguem atrair a atenção também pela linguagem resumida.
A capacidade de síntese é inerente à produção voltada para as mídias sociais. Com um espaço tecnicamente delimitado para os caracteres e para a quantidade de recursos audiovisuais que podem ser publicados, a informação ganha contornos cada vez mais resumidos e superficiais, quando não se baseiam em inverdades.
O crescente o às ferramentas tecnológicas, como tablets e smartphones, alterou significativamente o tempo de atenção dedicado aos conteúdos e a qualidade deles. Pesquisa realizada pela Microsoft em 2015 apontou que o nível de atenção das pessoas caiu de 12 segundos, no ano de 2000, para oito segundos, em 2013, o que significava o tempo de atenção menor do que o identificado em peixes-dourados em aquários domésticos.
Aceleramos o processo digital para acompanhar os avanços tecnológicos sem dar conta do bê-á-bá. Nos tornamos tão analfabetos funcionais quanto digitais, ainda assim nos orgulhamos de ver crianças mexendo os dedinhos sobre a tela antes mesmo de aprender a pronunciar as primeiras palavras. As consequências são vistas na incapacidade de lidar com inúmeros golpes via whatsapp, nas informações falsas em período eleitoral, nos dados sobre vacinas, o Sistema Único de Saúde (SUS) e em tantas outras áreas que nos afetam cotidianamente. O déficit na educação continuará cobrando um preço alto enquanto não for tratado como prioridade. Do contrário, serão mais 15 anos de retrocesso com consequências graves para toda a sociedade.
Por Camila Moreira – jornalista formada pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e Doutora em Estudos Étnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).