Consultando mais uma vez o Registro Digital de Votos (RDV), atualmente de livre o no site do TSE, pude verificar que uma impropriedade na programação das urnas eletrônicas, por mim constatada nas eleições de 2008, persiste, apesar dos avanços tecnológicos vivenciados nos últimos anos.

A norma eleitoral garante, no caso das eleições proporcionais (vereadores e deputados) a prevalência da vontade do eleitor, mesmo que ele tenha digitado o número do seu candidato de forma incorreta ou incompleta. Para tanto, basta que seja possível a identificação do candidato escolhido. Não sendo possível, e estando correta a dezena referente ao partido, o voto será destinado à legenda. É o que se extrai do § 2º do art. 59 da Lei 9.504/97. Ocorre que a urna eletrônica não procede dessa maneira. Por mais que esteja clara a vontade do eleitor, havendo erro na digitação a urna sempre destina o voto sempre à legenda.
Por amor à didática, vamos usar um exemplo fictício extremo, para melhor compreensão pelos leitores. Uma federação de partidos tem um candidato do partido de número 99, cinco candidatos do partido de número 88 e seis candidatos do partido de número 75. O candidato de número 99999 ficou na primeira suplência, com dez votos a menos que o candidato de número 75432, e ao conferir o RDV ele encontrou oito votos em que o eleitor digitou apenas 9999 e quatro votos em que o eleitor digitou 99991. Sabendo-se que nenhum outro candidato tem número semelhante ao dele, parece evidente que os doze votos em que houve a digitação incorreta ou incompleta pertencem ao primeiro suplente, dando-lhe o direito à última vaga da federação partidária.
Como são poucas as federações, o fato a que aqui me refiro ocorre com grande frequência com candidatos de partidos isolados que escolhem seu número, para facilitar a memorização, com a repetição dos 3 ou 4 últimos dígitos, ou de todos os 5 (45000, 12222 ou 11111, por exemplo). Nas seções eleitorais em que predominam eleitores com pouca afinidade com teclados, ou com baixa escolaridade, a tendência é que haja uma incidência maior de casos, com as pessoas confirmando o voto antes de concluir a digitação do número. Em uma rápida verificação nos resultados de 4 municípios do Recôncavo Baiano, apenas para ilustrar o texto, foi possível constatar a possibilidade de modificação do resultado da eleição de vereador em relação a 5 candidatos: um em são Filipe, uma em Santo Antonio de Jesus, dois em Conceição do Almeida e um em Sapeaçu.
Com base nas informações a que me referi, é possível imaginar quantas pessoas que perderam as eleições por poucos votos poderiam estar agora (ou em breve), em muitos dos 5.570 municípios brasileiros, comemorando a vitória. E quantas, entre as mais curiosas, poderão descobrir que na verdade ganharam aquela eleição que se encontra lá no ado.
Não se trata de “tomar a vaga” do companheiro de partido, mas sim de fazer prevalecer a vontade do eleitor, como, aliás, a lei determina. O grande problema é que o prazo para a solução mais rápida é de apenas 2 dias, após os 3 dias posteriores ao fim dos trabalhos de apuração do resultado das eleições (§ 1º do art. 200 do Código Eleitoral).
Já que muitos leitores terão dúvidas sobre como verificar a situação do seu amigo ou familiar que foi candidato, vou deixar aqui um roteiro simples para fazer a consulta: entre no site https://resultados.tse.jus.br/oficial/app/index.html#/divulga, clique em “escolher eleição“ e escolha a eleição ordinária. Vai abrir a aba “Tipo de Consulta”. Nela vá até a última opção e escolha “Registro Digital de Votos”. Na aba “abrangência” marque seu Estado, escolha seu município e selecione a zona, e em seguida uma das seções eleitorais. Na página de cada seção eleitoral aperte CTRL + F para localizar e digite no campo da busca o número do seu candidato sem o último dígito. Irão aparecer todos os votos dados a ele com a digitação correta, e também aqueles dados à legenda em razão da digitação incompleta ou incorreta. Se o número de votos encontrados nessas condições for suficiente para alterar o resultado, procure imediatamente um advogado de sua confiança, e ele saberá o que fazer. Mesmo depois dos prazos que mencionei há alguns caminhos que podem ser seguidos.
Se houver dois candidatos em que somente o último dígito da sua identificação seja diferente (45000 e 45007 por exemplo), não adianta pesquisar, já que nesse caso não será possível identificar qual foi a vontade do eleitor que digitou 4500, e o voto deverá mesmo ir para a legenda.
É bom lembrar que se você procurar o órgão de direção do seu partido poderá haver uma tendência a manter as coisas como estão. O famoso “deixa quieto”. Por fim, é preciso entender que, na situação descrita acima, quem tem esperança precisa ter pressa.
* Waldir Santos (@waldirsantosoficial) é Advogado da União, ex-Procurador do Estado e ex-presidente do Tribunal de Ética da OAB-BA.
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